arredores
Crescemos nos arredores, na periferia. Trouxeram-nos quando éramos pequenos. Tempos difíceis, ainda nos dizem por vezes. Habituámo-nos a pouco. Entre a casa e a escola definíamos os nossos percursos por entre uma imensidão de espaço ao abandono. Hoje, aprendemos a chamar-lhes "espaços vagos" inseridos em zonas periféricas. "Subordinadas a um crescimento descontrolado, gerador de situações desconexas pelo excesso de densidade, confronto de escalas e conflito de utilizações". Ignorávamos tamanhas contradições, movidos por uma força maior que encontrávamos nas pequenas coisas do dia a dia. A rua e os campos preenchiam-nos os dias até ao entardecer quando nos chamavam pelas janelas das marquises do prédio.
Não existiam regras quanto à ocupação do espaço. Jogávamos à bola entre os carros ou na clareira entre as árvores que cresciam ao acaso. Fazíamos jangadas com canas que usávamos para atravessar profundas poças de água da chuva. Usávamos palhinhas para apanhar os grilos que teimavam em permanecer nas tocas quando nos sentiam aproximar. Íamos à cidade em dias especiais ou por motivos de força maior. Partíamos de comboio e sentíamo-nos grandes.
Crescemos. Perdemos amigos, ganhámos outros. Continuamos a jogar às cartas junto do prédio à noite, depois do jantar.
Estudámos mais. Crescemos. Ambicionamos uma vida melhor, no centro onde reina a organização e a proximidade das coisas.
Partimos. Enfim sós.
(fotografia de "André Valente", filme de Catarina Ruivo, 2004)
Não existiam regras quanto à ocupação do espaço. Jogávamos à bola entre os carros ou na clareira entre as árvores que cresciam ao acaso. Fazíamos jangadas com canas que usávamos para atravessar profundas poças de água da chuva. Usávamos palhinhas para apanhar os grilos que teimavam em permanecer nas tocas quando nos sentiam aproximar. Íamos à cidade em dias especiais ou por motivos de força maior. Partíamos de comboio e sentíamo-nos grandes.
Crescemos. Perdemos amigos, ganhámos outros. Continuamos a jogar às cartas junto do prédio à noite, depois do jantar.
Estudámos mais. Crescemos. Ambicionamos uma vida melhor, no centro onde reina a organização e a proximidade das coisas.
Partimos. Enfim sós.
(fotografia de "André Valente", filme de Catarina Ruivo, 2004)
2 Comentários:
Um post emocionante. A mim parece-me que a parte mais interessante do trabalho dos arquitectos paisagistas tem a ver com esses "espaços vagos" do texto. Afinal, a maior parte das nossas metrólopes está feita de tais espaços e são pouco os que têm como referente emocional de infância o Jardim da Estrela. Nem todos crescemos na Lapa...
Mas o que parece acontecer na maior parte dos discursos do urbanismo é justamente o de apenas outorgar valor a espaços densos, como o dos velhos centros urbanos,os únicos que nos dizem ser importante reabilitar. Poucos são sensíveis à poética suburbana do post. E, no entanto, o êxito de um escritor como o Lobo Antunes tem a ver com esse olhar antielitista, que faz das vivências de Carnaxide ou do Cacém algo que merece ser valorizado.
Tiago Saraiva (Lisboa-Linda-a-Velha)
Também acho o post emocionante, mas não concordo muito acerca do que dizes acerca do A.Lobo Antunes,que às vezes me parece ter um discurso muito pouco amável para esses habitantes, representados como tipos mesquinhos que vivem as suas vidas deprimentes nas suas casas com rendas em cima da TV e cães de louça na marquise. Essa visão não será nalguns momentos muito cruel, muito pouco elogiosa para quem na infancia não brincou no jardim da estrela?
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