10.07.2008

Condução/Condição

“Adoro conduzir. Quando comecei a trabalhar era mesmo a parte que preferia. Estamos sozinhos no carro, não pensamos em nada, fumamos um cigarro enquanto ouvimos música...Posso passar assim horas. Aliás, acho que a única coisa que me agradava no trabalho eram os trajectos. Mas isso acabou por me pregar partidas. Sentia-me tão bem dentro do carro que me era cada vez mais difícil sair. Às vezes fazia 200 km para ter uma reunião. E na hora de sair da auto-estrada, sem pensar, continuava em frente.”

Vincent, desempregado, encontra na estrada uma linha que o afasta do tédio laboral diário. Percorre quilómetros sem fim, dorme à beira da estrada ou em parques de estacionamento de estações de serviço. De fato de executivo, deambula sereno por bibliotecas ou em espaços de convívio de empresas, próximo de uma realidade que lhe é familiar mas à qual não pertence. Mentira e recusa.

Estações de serviço, hotéis, periferias, florestas, riachos são apenas lugares de permanência fortuita num dia-a-dia marcado pelas viagens de carro, olhar na estrada entrecortado pelo limpa pára-brisas accionado em dias de chuva. O torpor das viagens sem destino adensa-se com o adormecer na viatura que termina com o nascer do dia. De novo a espera pela noite, cabeça encostada no banco dianteiro.

Tempo e espaço, sobretudo. E uma ausência que o torna invisível perante os outros. Um homem transparente que no fim desaparece por entre as árvores.

L’Emploi du Temps (O Emprego do Tempo), Laurent Cantet, 2001.