11.07.2008

Finisterra . Carlos de Oliveira

"(...)A criança, sentada na cadeira de balouço (mogno velho, junto da janela, o alto espaldar contra a portada que se dobra em duas partes, justapostas e articuladas pelas misagras de ferro), examina a paisagem. Olhos piscos, mas minuciosos, na violência da luz exterior.
A primeira zona de areia (mancha a ferver num hálito prateado, como o sal dos velhos itinerários: ruivo por dentro, alvo por fora) ocupa o terço inferior da aridez que a janela enquadra.
Segue-se uma faixa estreita de gramíneas: a evaporação da lagoa (juncos densamente roxos) submerge-as num tom mais carregado que o da própria água. Esta área, no entanto, é bastante instável: sob a declinação do sol, as cores mudam com frequência de intensidade; basta um sopro de vento, a ondulação pouco perceptível que provoca, para clarear ou escurecer as gramíneas.
Na outra margem, a linha das dunas reflecte o movimento dessa ondulação (sinusóide ténue demarcando a altura da segunda grande zona de areia) e serve de limite ao terço intermédio da paisagem.
O último terço acaba na linha superior do caixilho: formam-se as dunas distantes (recorte acentuado, revérberos de cal, como a auréola, a inquietação, que as estrelas irradiam fixamente). Ao fundo, uma nesga de azul pode parecer ao mesmo tempo céu e mar; placa de zinco a incendiar-se; ou apenas um reflexo da luz.(...)"

in Finisterra, Carlos de Oliveira, 1978.