9.26.2009

A casa de Keaton

Buster Keaton é um artista completo. Enquanto actor, não hesitava em correr riscos na possibilidade eminente de estragar completamente um cenário, de destruir casas e cidades com uma tempestade, de se lançar nas acrobacias mais surpreendentes e sair com algumas nódoas negras. Sem recorrer a duplos, enfrentava as situações perigosas com a mesma melancolia de sempre. Mas, para além da comicidade imediata da sua figura, Keaton não deixava que a aparente superficialidade da comédia apagasse o seu espírito inquieto e reflexivo. Da metáfora da vida em The navigator (1924), à alegoria do cinema em Sherlock Jr (1924), são vários os temas filosóficos subterrâneos nos seus filmes. A importância da construção de uma casa é um deles. Mas, o que fazer quando a casa não é habitável? No filme One week (1920) conhecemos um casal recém-casado que tudo faz para construir o seu primeiro lar. Compram um lote de terreno e recebem uma casa portátil para montar (!) mas são sabotados com a troca de números indicados em cada caixa, números fundamentais para a construção/montagem da casa portátil. Cada peça tem o seu lugar, cada abertura a sua função. Mas, em Keaton, os objectos inanimados ganham vida própria e uma nova função: uma porta colocada no primeiro andar é uma verdadeira porta para o precipício; um lavatório pode estar no exterior da casa se essa parede rodar funcionando como porta; a vedação da varanda pode ser um lance de escadas; o telhado pode estar esburacado e torto porque, se chover, abre-se o chapéu-de-chuva. A casa acaba por sobreviver a uma tempestade (ainda que, rodopiando furiosamente os arremesse para fora) mas não sobrevive à passagem de um comboio. O ferro vence a madeira como só a morte vence os esforços de vida.