1.31.2006

O Elogio do Verdete por David Maisel

David Maisel apareceu-me pela primeira vez através do bldgblog. Tal como Geoff Manaugh, fiquei fascinado pelas fotografias aéreas tiradas sobre o Owens Lake na Califórnia, sobre o Great Salt Lake em Utah, sobre Los Angeles ou sobre as grandes transformações mineiras no território (vale a pena conhecer mais sobre o The Lake Project , Terminal Mirage e Oblivion, The Mining Project, respectivamente).


fotografias dos projectos The Lake Project, Terminal Mirage, Oblivion, The Mining Project (fotografias de David Maisel)

Um outro projecto de Maisel, talvez não tão mediático como os anteriores, é o Library of Dust. Neste projecto fotográfico, ele fotografa dezenas entre centenas de latas de cobre que foram deixadas numa sala de um anexo do hospital psiquiátrico estatal de Oregon, nos EUA. Em cada uma delas foi colocado os restos cremados dos pacientes cuja morte não solicitou a atenção de um familiar ou amigo. Desde 1883, a altura da abertura do hospital, até aos anos 70, estas latas foram sendo arrumadas ao abandono do tempo.

No texto de apresentação do projecto David Maisel fala-nos da individualidade de cada lata de cobre como um processo de exteriorização metafísica do ser finado. Menospreza, no entanto, as condições reais que levaram à formação de tantas singularidades. O maior interesse nestas latas reside aí, na compreensão de como em centenas de latas mais ou menos semelhantes, sujeitas sensivelmente às mesmas condições desenvolvem-se tantas morfologias.
O verdete, que se forma pela acção do dióxido de carbono, da humidade do ar, do oxigénio e dos agentes atmosféricos (ventos, insolação,...) sobre o cobre, é o principal sintoma da acção contínua a que a superfície das latas fica sujeita neste ambiente relativamente controlado.
Mas, pelo facto de se encontrarem dentro de um meio controlado todas as pequenas variantes adquirem uma importância ampliada. Por exemplo, relativamente à superfície de suporte, as variações podem ser causadas pelas diferentes percentagens de impurezas que compõem o cobre das latas, pela altura do ano e o ano em que são criadas (mais seco ou húmido), pela forma e por quem são moldadas e soldadas. E só nestas variáveis existe uma gama inimaginável de outras que delas advém e que podem estar inseridas noutras escalas contextuais. Mas existem variáveis, mais próximas, relacionadas com o ambiente como a disposição das latas dentro da sala, como seja, a altura da estante (mais próxima ou afastada do chão), a proximidade milimétrica a que as latas estão da parede, o número de vezes a que estiveram sujeitas a ambientes exteriores ao anexo (daí que a relação de proximidade/afastamento à porta de entrada poderá ter alguma importância), o momento em que foram lá colocadas, as movimentações que sofreram dentro do anexo, o pó que se instala à superfície das latas, as correntes de ar internas, a arquitectura do anexo, a orientação do edifício... Contudo, nem todas as mais pequenas variáveis, analisadas e quantificadas, podiam, com real exactidão, justificar os sinais marcados à superfície de cobre. Aqui, complementando a rede infindável de variáveis, o caos manifesta-se no seu maior esplendor. Cada marca, cor e tom, depressão ou relevo, acumulação e dispersão de verdete resultam da interacção de todos os sistemas variáveis actuantes directa e indirectamente, associados à própria desordem dos sistemas ao longo do tempo.