3.10.2006

Nesta altura do ano, algumas ruas empedradas da cidade, especialmente aquelas com cubos de basalto, têm uma multidão de ervinhas a surgir entre as juntas, formando uma minúscula seara verde que desponta numa quadrícula entre as pedras negras que brilham molhadas à luz do meio dia, e que, às vezes, quando vista de esguia, parece cobrir completamente o chão. Sentia com os pés o relevo da calçada irregular e pensava que esse basalto retirado da montanha, cortado em cubos e metido sobre o terreno compactado, os milhões de sementes que germinam com a chuva e as folhas tenras das gramíneas que se erguem ao sol de Inverno, tudo isso é tão natural como o Alasca, a Amazónia, ou o Serengeti selvagem e mais os seus leões, hienas, gazelas e Davids Attenbouroughs. O som do eléctrico que passava nessa rua, metal contra metal, a roda a deslizar no carril, é tão natural como o som de um riacho a borbulhar na Serra da Estrela. Pensava vagamente em tudo isso e olhava agora para as ervas que cresciam num muro velho. E se toda a gente morresse hoje, como seria a cidade dentro de dez, vinte, trinta, mil anos? Via aquelas ervinhas como um indício da mata que está sempre à espera, debaixo das calçadas, para engolir a cidade como a floresta amazónica engoliu cidades inteiras dos Incas e dessa malta toda antes do Colombo. Mais tarde ou mais cedo, supunha, também Lisboa iria ser uma mata ou um deserto. Tudo é Natureza: a pedra da calçada, as ervas que crescem nas suas juntas, o metal do carril e o som que a roda do eléctrico faz nele ao passar. Perguntava-se porque raio há então essa palavra, Natureza, se aparentemente tudo se inclui no conceito a que ela se refere. Para perceber isso teria que ler filosofia, história das ciências, até teologia talvez… Mas estava tão bom tempo, as ervas húmidas brilhavam entre os cubos de basalto, havia A Bola com o balanço do glorioso jogo do dia anterior, não se ia agora meter em bibliotecas, a apanhar pó.