Those We Do Not Speak Of
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Quando, em 1660, Rubens De La Vialle descobriu pinturas de bisontes na caverna de Niaux em França, limitou-se a escrever o seu nome e a data. O que nos parece incrível é o facto de não ter dado importância histórico-cultural às imagens que via. Julgou terem sido feitas recentemente por algum contemporâneo que marcara o lugar. Mas, o que ele não viu foi que o lugar já estava há muito marcado; o que ele não viu foi o passado imemorial que o trouxera ali, desconhecimento que o impediu de compreender o que então percepcionava. A nossa percepção, por si só, é insuficiente para nos aproximar da nossa situação no mundo.
O que em The Village, de M. Night Shyamalan, aquela comunidade não vê (para lá dos óbvios trocadilhos de Ivy ser invisual e ao mesmo tempo a única que poderia ver) é o facto de não pertencer àquele lugar, de o presente em que vive estar cercado por regiões espácio-temporais que desconhece. Circunscritos pelos limites do bosque que não transpõem, eles vivem delimitados e resguardados, fisicamente, pela reserva natural que os sustenta, aterrorizados por criaturas, “Those we do not speak of”, e metafisicamente, pelo que não dizem. Há então a criação de um espaço determinado pelo entendimento: o movimento convergente do quotidiano compreende o para lá dos bosques como o mundo inumano e, por isso, não transpõem nunca os limites físicos da comunidade. Por este motivo, está abolida na aldeia a cor malévola, o vermelho, existente apenas nas bagas trazidas do bosque. Há assim uma gradação entre o dizível e o indizível, à medida que se esbate o jogo linguístico entre Natureza e Homem.
Entre a caverna e a reserva humana, entre o subterrâneo e a superfície, encontramos uma ideia: a expressão diz o nosso mundo, ou como diria Gilles Deleuze, o ser é expressão oral. Aquilo que não se diz simplesmente não existe, pois a sua verbalização dar-lhe-ia matéria. Entre os bisontes da caverna e “Those we do not speak of” deparamo-nos com o ainda-não-dito, uma situação nova que precisa ser nomeada para ser, não só compreendida na sua totalidade abrangente, como também materializada no ser que se diz de tudo. E ao ser expressão, deixa de aterrorizar.
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