Não há ordem na natureza
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E por isso, defendia Frederich, é que a natureza com que se convivia nos dias comuns, nos «dias fracos», enganava.
E o engano era este: num dia de sol, pacífico, abria-se a janela e olhava-se para o que lá fora não fora feito pela inteligência do homem com a benevolência com que se olha para um conjunto de quadros dispostos nas paredes de um museu. O erro, precisamente, era ver a natureza semelhante a um museu que cresce. Museu cujas peças mudam de posição de modo quase imperceptível, parecendo fruto da timidez ou simplesmente da fraqueza desses elementos. Nos dias em que o que não era humano podia ser retalhado em pedaços, copiando a divisão de uma máquina nas suas partes, nesses dias, nos quais o homem poderia orgulhar-se de limpar os sapatos ao mundo que existira antes de si, a natureza era realmente um museu.
No entanto, por vezes as peças do museu mostravam, afinal, que eram peças de uma artilharia secreta e que apenas haviam guardado o momento propício para se reorganizarem com outros objectivos. E assim, de repente, aquilo que parecia ter sido feito para um fim: a contemplação – os homens precisavam de cinema e a natureza parecia ser o filme que Deus escolhera para passar ininterruptamente em frente dos seus olhos –, aquilo que parecia poder ser enfrentado com uma atitude relaxada, o pôr do sol e a neve, aquilo enfim que parecia apenas um aliado mais fraco, transformava-se, em breves instantes, no mais forte dos inimigos.
(…) Em suma: nada era entendido pelos homens que se defendiam. E daí a manifesta posição de fragilidade à natureza indisposta.
Excerto de texto incluído em “Aprender a rezar na Era da Técnica”, Gonçalo M. Tavares, Caminho 2007.
Imagens retiradas daqui.
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