5.21.2007

Natureza Morta

Um homem regressa ao que resta da cidade de Fengjie à procura da sua ex-mulher. Reencontram-se e decidem voltar. Uma mulher procura o seu marido após dois anos de ausência para consumar o divórcio e partir.
O cenário, a Barragem das Três Gargantas, projecto consumado treze anos depois do arranque, o maior complexo gerador de electricidade do mundo, tido como a promessa para o futuro brilhante da China. Para trás, um lago com cerca de 650 km de comprimento, mas também a submersão de templos, sítios arqueológicos e vilas milenares, a relocalização de cerca de 1.3 milhões de pessoas e a destruição de todo um ecossistema singular.
No filme Still Life – Natureza Morta de Jia Zhang-Ke, no que resta da velha cidade de Fengjie quase submersa, aglomerado com uma história de 2000 anos, a água sobe a um ritmo vertiginoso. Marcam-se com uma cruz os casarios que se estendem ao longo da encosta, vítimas próximas de uma nova subida do nível das águas. Ao longe, ergue-se uma nova cidade, elemento estranho em ruptura com um passado recente.
No vale, nas margens do rio Yangtze, os homens, operários de martelo em punho, esforçam-se em apagar os registos do que fora a sua anterior vivência. Derrocadas, ruídos entorpecidos pelas nuvens densas que ameaçam o vale, silenciam as histórias de uma anterior ocupação. A humidade intensa mascara uma actividade intensa em movimentos lentos, ténues, que parecem não ter fim.
A memória é o instrumento do realizador que filma o passar dos tempos num arrastar lento de acontecimentos, um quadro austero de um território em destruição e consequente abandono. O silêncio das personagens personifica o flagelo, marca de uma China moderna, que se quer longe de um passado inglório.
Quando numa cena, um edifício isolado levanta voo, parece não descolar sozinho. Leva pessoas, memórias, segredos e todo um passado que não se repetirá.