Água no Asfalto (ou as poças do terrapleno de Santos)
O vasculhar destas velhas fotografias e a publicação deste post deveram-se a dois factores: o primeiro os festivais de música que têm passado pelo terrapleno de Santos e o segundo a falta de precipitação e o enorme calor que levam as autarquias, por ignóbil ignorância, regar os múltiplos relvados (cada vez mais e maiores) nas horas de maior calor e sem evitarem as constantes regas do asfalto das estradas.
O terrapleno de Santos é o resultado de uma tomada de decisão na década de 40 de acordo com as necessidades definidas como primordiais para o desenvolvimento estratégico da Lisboa ribeirinha e da posição que se queria que Lisboa tivesse nas rotas da navegação comercial, locais e globais.
O terrapleno de Santos é o resultado de uma tomada de decisão na década de 40 de acordo com as necessidades definidas como primordiais para o desenvolvimento estratégico da Lisboa ribeirinha e da posição que se queria que Lisboa tivesse nas rotas da navegação comercial, locais e globais.
A sua construção consiste num aterro sobre o Tejo que geometriza a frente ribeirinha e aumenta a profundidade de navegabilidade junto a essa frente facilitando a acostagem de barcos maiores. A superfície desse aterro foi revestida com asfalto.
Esse tapete era, inicialmente, homogéneo, perfeito, regular. A passagem do tempo foi sempre contrariada com a incessante procura em reduzir as acções entrópicas no asfalto. Dessas tentativas restam alguns vestígios das cicatrizes asfaltadas que acabaram por transformar a superfície em vários retalhos.
O actual abandono do terrapleno, espectante até quando e como (?...), permitiu a restituição da face temporal à camada asfáltica que imprime as primeiras irregularidades da superfície. As pequenas depressões e falhas no asfalto, praticamente imperceptíveis em tempo seco, adquirem, durante as chuvas, uma enorme presença. Após elevadas precipitações surgem do nada manchas e linhas reflectoras. O espaço e o tempo como se multiplicam nestes reflexos.
Uma superfície, que inicialmente se queria controlada, reparte-se agora em inúmeras perspectivas sintomáticas da actuação do sistema hidrológico sobre a topografia do asfalto. As manchas reflectoras são as marcas do diálogo entre a topografia asfáltica e a precipitação. Formam-se mini-bacias hidrológicas: festos e talvegues. A erosão associada ao escoamento superficial da água aumenta e pequenas plantas começam a surgir onde há aglomeração de sedimentos e de água.
Os suiços Vetsch Nipkow Partner AG, em vez de escamotear a face temporal da superfície, optaram por a regular. No projecto Sulzerareal Winterthur, os VNP definem pontos de retenção da água precipitada tornando a relação entre a superfície e a precipitação um elemento do projecto. Perde-se, no entanto, grande parte da surpresa que encontramos no terrapleno de Santos. A relação entre as duas variáveis é totalmente definido e denunciado e não deixa espaço para o imprevisível. Parece-me que o Homem tem tido no seu percurso dificuldades em lidar com o aleatório.
fotografias VNP
A 14 de Agosto saiu um comunicado no site da Administração do Porto de Lisboa [APL] onde se declarava terem sido assinados dois protocolos válidos por 10 anos com vista à concessão do armazém existente no terrapleno de Santos para ser transformado num espaço multiusos, chamaram-lhe «entertainment center». No primeiro protocolo, celebrado com a Venue – Gestão de Espaços e Eventos, está previsto duas salas de concertos, um estúdio para eventos promocionais e artísticos e um espaço para ensaios de bandas. O segundo protocolo celebrado com o Chapitô prevê um espaço, o Chapitô-Rio, para ensaios, espectáculos, leitura e exposições. «Ambos os contratos contemplam a subordinação às necessidades que venham a declarar-se no âmbito da actividade portuária desenvolvida pela APL prevendo a possibilidade de alteração do ordenamento terrestre e fluvial da zona. Assim, mais uma vez se constata que a APL está determinada em continuar a conciliar com sucesso a movimentação de mercadorias, o turismo de cruzeiros, os desportos náuticos a cultura e o entretenimento, dotando a cidade de mais uma infra-estrutura que a aproxima do Tejo.»
1 Comentários:
Finalmente!!!, é necessário celebrar e apoiar este tipo de iniciativas de libertação da frente-rio lisboeta!!!Parabéns pela 'coragem' e pela tenacidade dos responsáveis por mais duas instalações disponíveis, pelo que percebi, no porto de Lisboa!
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