7.16.2007

A Marginal (N6) na Proliferação de Estereótipos

O ponto de inflexão de uma inércia que vinha marcando desde o século XVIII a localidade de pescadores e agricultores, situada a 20 km de Lisboa, ocorreu no Verão de 1870 quando a Família Real escolhe as praias dessa zona para os seus banhos. A partir desse momento foi dado o mote para um modelo vilegiaturista de ocupação do território que se instalará até à contemporâneidade, embora cada vez mais diluído numa ocupação subversiva e persistente da orla costeira.

O movimento veraneante tinha-se já instalado nos meios aristocráticos europeus, muito devido às novas teorias terapêuticas exploradas no final do século XIX e início do século XX que cultivavam a aproximação do homem aos sistemas naturais como resposta à procura de uma existência mais sã. O clima de Cascais era ameno, próximo da praia e a relativa proximidade com Lisboa favorecia a deslocação cíclica de veraneantes.

Em 1887, iniciou-se a construção da linha de caminhos-de-ferro Lisboa-Cascais pela Real Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses reduzindo drasticamente o tempo da viagem e propulsiona o primeiro desenvolvimento urbano da orla costeira centralizado nas envolventes das respectivas estações. Esta linha foi a primeira definição de um eixo que viria a marcar a Grande Lisboa.

Foi o grande plano do Estoril de 1913 que fez proliferar a construção de uma realidade baseada num imaginário veraneante global produzindo aquilo a que muitos chamaram a Riviera Portuguesa. É dessa época o Casino Estoril. Essa imagem é alimentada inicialmente pelos 20 mil estrangeiros exilados que se fixaram ou atravessaram a Costa do Sol. Lisboa era um ponto chave nestes movimentos transitórios, servia com as carreiras marítimas e aéreas internacionais e transoceânicas as linhas férreas internacionais que aí terminavam.

O projecto da Estrada Nacional 6, mais conhecida como Marginal, insere-se num período de grande proliferação de importantes obras de engenharia civil e planos urbanísticos aproado pelo Ministro das Obras Públicas, o Engenheiro Duarte Pacheco. A Marginal deveria promover o turismo, permitir o desenvolvimento urbano e a valorização da Costa do Sol. O traçado acompanharia, sempre que possível, o interface terra-mar ao longo dos seus 20 km, servindo todas as praias da Costa do Sol.

Contemporânea deste projecto é também a Auto-estrada Lisboa-Cascais (actual A5) que, por sua vez, deveria facilitar a circulação rápida de automóveis entre as duas localidades. Entre estas duas vias estava previsto várias ligações ao longo dos vales transversais.

Desde o início do projecto que se compreendia e se assumia a importância de privilegiar percepção visual como factor decisivo no comportamento do automobilista assim como na experiência em si. Nas palavras do Engenheiro Paulo de Serpa Pinto Marques publicadas num ensaio sobre a Marginal e Auto-Estrada Lisboa-Cascais publicado em Dezembro de 1940 no Boletim da Ordem da Ordem dos Engenheiros «o traçado foi feito por objectivo apresentar bons pontos de vista, não ser monótono».

O princípio do traçado da Marginal, como se depreende não só da inclusão da auto-estrada paralela a esta que serve primariamente a circulação assim como dos objectivos iniciais propostos, entende a envolvente como cenário. Este cenário, pulverizado por vários elementos referenciais (vistas, arquitecturas, vegetação, cruzamentos,...) que fabricam sequencialmente a experiência da utilizador durante o tempo de viagem.

Associada ao movimento de exilados estrangeiros, cada um com as suas referências culturais e sociais e com espaço para as exteriorizar, a marginal surge como um eixo de proliferação de imagens tipificadas que ainda hoje tem espaço de manifestação. Construiram-se palácios e casas sumptuosas, jardins com vegetação exótica e introduziram-se as modas mais recentes como o biquini.A partir dos anos 50 o desenvolvimento urbano ao longo deste eixo como que estagnou. Esta dominância apenas foi questionada no final dos anos 70 e anos 80. A imagem cultivada durante anos sobre a ‘linha’ foi suficientemente perseverante para que servisse de contexto para as novas intervenções. Desde geisers, a condomínios fechados com vista sobre o mar, campos de golfe, o autódromo, urbanizações luxuosas, discotecas serviram para continuar a herança imagética deixada desde 1870 não só nas arquitecturas e planos urbanísticos que povoam incessantemente as margens do traçado da Marginal como na sociedade.