O complexo habitacional de Picote surge enquadrado numa estratégia de rentabilização dos recursos hídricos da Bacia Hidrográfica do Douro, desencadeada nos anos 50 como resposta do país à busca de uma certa modernidade que se fazia sentir. A operação que envolveu ainda os complexos de Miranda e Bemposta, encontra no trabalho dos arquitectos Archer de Carvalho, Nunes de Almeida e Rogério Ramos, recém formados na Escola Superior de Belas Artes do Porto, uma motivação na aplicação dos princípios do Modernismo e dos pressupostos da Carta de Atenas, no estabelecimento de uma nova ordem, garantia da prosperidade que se procurava.
Longe da aplicação da doutrina modernista demasiado radical, atentos aos desígnios de um território rude, de difícil apropriação, os arquitectos desenvolvem um trabalho notável, uma resposta eficaz, de gestos precisos, no domínio da paisagem enquanto valor natural e cultural.O território agreste mirandês recebe a intervenção de braços abertos a um projecto que se funde com a paisagem, com um admirável sentido de ligação à terra e às pessoas que dela fazem parte.
O complexo de apoio à barragem hidroeléctrica que engloba as instalações técnicas da mesma, o aldeamento com escola, igreja, centro comercial, casas para operários e engenheiros bem como uma pousada, revela uma intensa capacidade de resposta a um extenso programa e sua aplicação num território difícil, com alguns constragimentos morfológicos, numa apropriação notável com verdadeiro sentido de escala.
Os materiais, a sua aplicação revelam um rigor obsessivo que determinaria a grandeza da obra equacionada.
A paisagem é cirurgicamente trabalhada para garantir condições de habitabilidade, manifestando-se em acções concentradas e quase imperceptíveis, não fora a utilização de algumas espécies de latitudes mais setentrionais. Baseada no vocabulário modernista de construção de paisagem, a intervenção no exterior regista-se por uma sucessão de clareiras e orlas, articuladas por percursos térreos ou em betão, reveladores de espaços colectivos ou de maior intimidade.
Quando voltamos a Picote, a crescente sensação de abandono salta à vista.Não obstante o reconhecimento recente do seu valor patrimonial, a indecisão do que fazer com esta ‘herança’ tem sido o motor da degradação progressiva dos valores em presença.
O Portugal de hoje busca no turismo rural uma forma de escapismo às problemáticas associadas às grandes cidades, mas quase sempre assente no aproveitamento, por vezes inconsequente, de lugares na proximidade das mesmas.
Trás-os-Montes fica ‘longe’, mas não a uma distância que impossibilite reinventar uma ocupação para este lugar, com a eventual (e evidente) revitalização de tão sedutora valência turística. Aliás, prevista desde a sua génese.
A FAUP publicou em 1997 o livro
Moderno escondido : arquitectura das centrais hidroeléctricas do Douro 1953-1964 : Picote, Miranda, Bemposta, sobre coordenação dos arquitectos Michele Cannatà e Fátima Fernandes.
Moderno escondido, tão escondido que dificilmente o conseguimos localizar no google earth.
Contributos:
Catarina
Samuel