7.24.2007

Terra usada

Na escola da nossa altura, as causas ecológicas eram uma das poucas ideologias oficiais. Na primária, havia o dia da árvore com uma equipa da câmara a plantar um pinheiro no recreio. Era giro. Já no liceu, lembro-me de desenhar cartazes com um tema “ecológico” à escolha para meter na sala de aula. Agora questiono-me se todas essas coisas não terão tido o efeito que a leitura obrigatória de “O Primo Basílio” teve no nosso interesse pela literatura.

A ideia de Natureza, como coisa que existe como oposição ao artificial, parece vir da ideia de Homem como ser com uma posição destacada no universo e com um papel privilegiado nos planos de Deus. Esta exclusão do Homem da esfera do mundo natural coloca muitos discursos ecologistas demasiado próximos das ideias que pretendem combater: a defesa da natureza é também a defesa desta ideia de natureza da qual o Homem é excluido. Este maniqueísmo Homem – Natureza, tornou demasiado cómodo opinar acerca de qualquer assunto que envolva a transformação antrópica da paisagem. Vulgarizou-se assim a opinião de que coisas vagas como o “betão”, as auto-estradas, a construção em altura, os armazéns industriais, são coisas más para a “Natureza”, o “Ambiente” e a “Paisagem”.

No Center for Land use interpretation podemos ver fotografias de vestígios humanos recentes na paisagem americana apresentados sem que carreguem o peso de um juízo moral preconceituoso. As imagens surgem com o distanciamento de quem olha para a represa de um castor ou para uma termiteira, para as crateras na lua deixadas pelas colisões de meteoritos ou para uma colónia de bactérias vista ao microscópio. Quando muitas vezes algumas mensagens ecologistas se fazem acompanhar de uma estética demasiado previsível, ligeiramente irritante, este imaginário parece mais justo, mais adequado para apoiar uma reflexão sobre o uso da Terra pelo Homem.

7.19.2007

AUTORidade

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Enfim, no fundo é apenas uma questão de genética.

7.16.2007

A Marginal (N6) na Proliferação de Estereótipos

O ponto de inflexão de uma inércia que vinha marcando desde o século XVIII a localidade de pescadores e agricultores, situada a 20 km de Lisboa, ocorreu no Verão de 1870 quando a Família Real escolhe as praias dessa zona para os seus banhos. A partir desse momento foi dado o mote para um modelo vilegiaturista de ocupação do território que se instalará até à contemporâneidade, embora cada vez mais diluído numa ocupação subversiva e persistente da orla costeira.

O movimento veraneante tinha-se já instalado nos meios aristocráticos europeus, muito devido às novas teorias terapêuticas exploradas no final do século XIX e início do século XX que cultivavam a aproximação do homem aos sistemas naturais como resposta à procura de uma existência mais sã. O clima de Cascais era ameno, próximo da praia e a relativa proximidade com Lisboa favorecia a deslocação cíclica de veraneantes.

Em 1887, iniciou-se a construção da linha de caminhos-de-ferro Lisboa-Cascais pela Real Companhia dos Caminhos-de-Ferro Portugueses reduzindo drasticamente o tempo da viagem e propulsiona o primeiro desenvolvimento urbano da orla costeira centralizado nas envolventes das respectivas estações. Esta linha foi a primeira definição de um eixo que viria a marcar a Grande Lisboa.

Foi o grande plano do Estoril de 1913 que fez proliferar a construção de uma realidade baseada num imaginário veraneante global produzindo aquilo a que muitos chamaram a Riviera Portuguesa. É dessa época o Casino Estoril. Essa imagem é alimentada inicialmente pelos 20 mil estrangeiros exilados que se fixaram ou atravessaram a Costa do Sol. Lisboa era um ponto chave nestes movimentos transitórios, servia com as carreiras marítimas e aéreas internacionais e transoceânicas as linhas férreas internacionais que aí terminavam.

O projecto da Estrada Nacional 6, mais conhecida como Marginal, insere-se num período de grande proliferação de importantes obras de engenharia civil e planos urbanísticos aproado pelo Ministro das Obras Públicas, o Engenheiro Duarte Pacheco. A Marginal deveria promover o turismo, permitir o desenvolvimento urbano e a valorização da Costa do Sol. O traçado acompanharia, sempre que possível, o interface terra-mar ao longo dos seus 20 km, servindo todas as praias da Costa do Sol.

Contemporânea deste projecto é também a Auto-estrada Lisboa-Cascais (actual A5) que, por sua vez, deveria facilitar a circulação rápida de automóveis entre as duas localidades. Entre estas duas vias estava previsto várias ligações ao longo dos vales transversais.

Desde o início do projecto que se compreendia e se assumia a importância de privilegiar percepção visual como factor decisivo no comportamento do automobilista assim como na experiência em si. Nas palavras do Engenheiro Paulo de Serpa Pinto Marques publicadas num ensaio sobre a Marginal e Auto-Estrada Lisboa-Cascais publicado em Dezembro de 1940 no Boletim da Ordem da Ordem dos Engenheiros «o traçado foi feito por objectivo apresentar bons pontos de vista, não ser monótono».

O princípio do traçado da Marginal, como se depreende não só da inclusão da auto-estrada paralela a esta que serve primariamente a circulação assim como dos objectivos iniciais propostos, entende a envolvente como cenário. Este cenário, pulverizado por vários elementos referenciais (vistas, arquitecturas, vegetação, cruzamentos,...) que fabricam sequencialmente a experiência da utilizador durante o tempo de viagem.

Associada ao movimento de exilados estrangeiros, cada um com as suas referências culturais e sociais e com espaço para as exteriorizar, a marginal surge como um eixo de proliferação de imagens tipificadas que ainda hoje tem espaço de manifestação. Construiram-se palácios e casas sumptuosas, jardins com vegetação exótica e introduziram-se as modas mais recentes como o biquini.A partir dos anos 50 o desenvolvimento urbano ao longo deste eixo como que estagnou. Esta dominância apenas foi questionada no final dos anos 70 e anos 80. A imagem cultivada durante anos sobre a ‘linha’ foi suficientemente perseverante para que servisse de contexto para as novas intervenções. Desde geisers, a condomínios fechados com vista sobre o mar, campos de golfe, o autódromo, urbanizações luxuosas, discotecas serviram para continuar a herança imagética deixada desde 1870 não só nas arquitecturas e planos urbanísticos que povoam incessantemente as margens do traçado da Marginal como na sociedade.

7.11.2007

Toupeiras e o pitoresco

O capítulo sobre pragas de relvados da tradução portuguesa do manual “Lawns, Ground covers and weed control” da Royal Horticultural Society fala sobre os prejuízos das toupeiras na manutenção dos relvados, e sugere algumas soluções: “ O melhor método para o controlo das toupeiras é por meio de armadilhas(…)caso não dê resultado, aguardar até se evidenciarem as toupeiras no seu trabalho. Nesta fase fazer uma aproximação sem ruído e quando se vir o animal a puxar a terra para cima dar-lhe uma pancada com as costas da pá – a morte é instantânea”.
Ao irromperem por relvados bem cuidados as toupeiras põem a nu a nossa ideia pitoresca da paisagem. Os esforços para erradicar toupeiras, ralos, abelhas mineiras, minhocas, fungos, líquenes, bolores e algas são apenas a necessidade de manter intacta uma concepção estética da Natureza, formalizada num belo ou sublime relvado esterilizado.

Mas há extremistas, como o galês Afon Claerwen, que entre os vários temas do seu site, que varia entre canções de paz, poemas elegíacos da harmonia entre os homens, árvores e sonhos, encontra ainda espaço para as toupeiras, negando-se a assassinar os nossos amigos mamíferos. E no natal de 2001, pós 9/11, decorou os montículos de terra do seu relvado esburacado com enfeites coloridos.

7.07.2007

Felicidade

"Uma pessoa pode sentir o cúmulo da felicidade numa casa horrível, desconfortável, e numa casa maravilhosa pode sentir-se de rastos. Essa é a margem em que a arquitectura não impõe a vida às pessoas e quando tenta impor isso é ilegítimo, objectivamente ilegítimo".

Palavras de Álvaro Siza Vieira em entrevista na edição do Ípsilon de 15 de Junho de 2007.