11.28.2006

Simultaneidades

Avenida D. Carlos I

Os jacarandás, uma das árvores icónicas de Lisboa, iniciam a sua primeira época de floração nos finais de Maio, princípios de Junho (e a segunda floração surge, por vezes, no início do Outono). Anualmente, os jacarandás marcam e intensificam a fase que precede o verão. Esse curto período de tempo é vívido impetuosamente por muitos que passam diariamente por Lisboa. A calçada, assim que começam a brotar as primeiras flores, reveste-se de salpicos de lilás que vão persistindo mas que, com o tempo, vão degradando-se, perdem a vitalidade e transformam-se, gradualmente, numa goma suja sobre o calcário que permanece até ser lavada pelas primeiras chuvas de Setembro.

Jardim de Santos

Ao mesmo período está associado, para usar um termo usado nos jornais e televisões, o início da «época dos incêndios» – o erro inconsciente mas satírico para evocar o início do programa de prevenção e combate aos incêndios do governo. Inicia-se, a partir desse momento, o espectáculo mediatizado dos incêndios contrapondo de cada lado da barricada o governo e as suas estratégias de prevenção e de combate, do outro lado o reduzido segmento da população que ganha com a época de incêndios e que a fomenta de alguma maneira. No meio ficam pessoas, sistemas agrícolas e florestais e ecossistemas à mercê das alterações causadas pelo fogo. Tudo isto, transmitido em directo ou em diferido pela televisão, e arbitrados flacidamente pelo espectador. Durante esse período, os incêndios serão tema de conversa em jornais nacionais e internacionais, autocarros e salas de espera de hospitais, mas rapidamente esquecidos em épocas onde a água em demasia é o grande problema.

Jardim ConstantinoRua Almirante Barroso

Esse é também o período em que a feira-do-livro faz o seu aparecimento anual no Parque Eduardo VII. Aliás, o acontecimento que transforma um parque praticamente morto no seu auge anual, para logo a seguir voltar a ser abandonado aos miúdos e aos proxenetas.

Parque Eduardo VII

É também o tempo das festas populares, do cheiro a sardinha, das fitas coloridas de janela em janela, dos europeus ou mundiais de futebol.



No entanto e apenas porque as condições climatéricas assim o favoreciam, foi nesta a época áurea que o Google decidiu fixar Lisboa no GoogleEarth,. Aqui e ali, o lilás das flores do jacarandá deixa a sua marca na fotografia aérea de Lisboa. A continuidade fica paralisada neste momento captado por um satélite, criado e desenvolvido pela inteligência do homem, e apresentado a qualquer um de nós como o momento tipo, como o quotidiano lisboeta. Mas perde-se, neste espelho, um pouco o sentido do devir e admite-se como factualidade perene uma imagem tão cheia destas simultaneidades.

Rua Rodrigo da Fonseca e Rua Barata Salgueiro

A compreensão e uma relação com a paisagem reside basicamente no questionamento constante das imagens que a nossa inteligência adquire e tem a tendência de tomar como fixas, como certas, uma vez que ela própria é fonte de inúmeras perspectivas e transformações.

11.27.2006

Duarte Belo


"Dada a maior facilidade de intervenção, as coisas parecem-se cada vez mais com aquilo que as pessoas querem que sejam, isto é, há cada vez menos restrições à forma de construir, e vamo-nos aproximando cada vez mais de um certo sonho de cidade, de ideia, que não corresponde a uma ideia coerente, projectada de raiz, mas a desejos individuais, que, no fundo, controem a cidade em que vivemos.
(...) A minha relação com a utopia não é a da ideia de paraiso, mas acrescentar algo possível ao mundo em que vivemos. Toda a utopia, todo o paraíso está no espaço que habitamos. Nós é que podemos encontrá-lo ou não. Num bairro de barracas uma pessoa pode ver uma coisa urbana caótica, mas também pode ver um espaço sublime, extremamente bem feito a nível de desenho, de proximidade de um desejo humano de construir. É o que acontece quando olhamos para um pedaço de cidade."

Palavras de Duarte Belo em entrevista conduzida por Alexandra Lucas Coelho presente no livro "Novos Urbanismos, Novas Paisagens", edição Museu do Vinho/Câmara Municipal de Anadia, 2003.

a explorar aqui

11.05.2006

Arte e Paisagem 2

O tema «Arte e Paisagem» tem marcado e vai continuar a marcar durante os próximos meses alguns dos principais eventos sobre paisagem. O último foi o colóquio de 29 e 30 de Setembro, «Arte e Paisagem» organizado pelo Instituto de História de Arte, Estudos de Arte Contemporânea, Unidade de Investigação financiada pela FCT da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

O que sobressaiu desse colóquio foi pouco. O lugar mais comum do termo «paisagem» é para designar algo de vasto e complexo mas esse facto tem permitido que seja utilizado para justificar qualquer enunciação vaga e sem orientação. É também um termo que está na moda, talvez no seguimento da atenção, cada vez maior, dada à ecologia e às perturbações que o homem tem causado nos sistemas naturais – sendo que «paisagem» transformou-se num irmão mais erudito do termo «ambiente», agora bastante generalizado. Juntando estas duas características conseguimos prever com facilidade o campo prolífero para a difusão de discursos disléxicos e cheios de preconceitos sobre paisagem.

Isso ficou bastante patente em quase todas as apresentações a que assisti desse colóquio (não me foi possível assistir às apresentações das mesas 4 e 5 de 30). Desde arquitectos e artistas a historiadores revelaram, no seus discursos bacocos, o desinteresse ou ignorância que têm sobre o assunto. Não foi a discussão das relações entre arte e paisagem que são, na verdade, dos processos mais interessantes na mediação, desde sempre, entre o homem e o território, mas sim o termo «paisagem» que serviu de pretexto ou simplesmente de título aos papers apresentados.

Uma das grandes excepções foi o trabalho apresentado pelo historiador Manuel Villaverde «A Avenida da Liberdade nas décadas de 1880 e 1890: entre a “realidade” e as representações». Utilizando o pretexto da abertura da Avenida da Liberdade como bastião da nova cidade capitalista, Villaverde revela a tensão entre as representações construídas do território e a realidade, e como essas mesmas representações estavam vinculadas a imagem ideológica que assentava nos humores do poder da comunicação de escritores, jornalistas, litógrafos e fotógrafos.

Outro trabalho entusiasmante foi apresentado pelo historiador Paulo Baptista. A comunicação de P. Baptista mostrou-nos alguns dos projectos fotográficos elaborados pela Casa Biel sob o comando de Emílio Biel entre os finais do século XIX até à I Guerra Mundial. Entre os quais se destacam as monografias «O Minho e as suas culturas», «O Douro: Principaes Quintas, Navegação, Culturas, Paisagens e Costumes» e «Caminho de Ferro do Douro» que revelam uma inovadora consciência estética da paisagem (P. Baptista). Um quarto projecto «A Arte e a Natureza em Portugal» revela‑nos uma ligação muito próxima com o naturalismo portuense e onde as comparações com «As Viagens na minha Terra» de Almeida Garret foram evidenciadas.

Imagens de Emílio Biel


O próximo evento é já entre os dias 6 e 30 de Novembro em Évora organizado pela AIAS (Association for Independent Art and Design Schools) e pela Universidade de Évora. O meeting AIAS 2006 está estruturado em redor do título Neolandscape e multiplica-se em workshops (6-9 Nov), conferências (8 e 9 Nov) e exposições (6-30 Nov). As conferências, a realizar na fundação Eugénio de Almeida, contam com alguns dos maiores pesos do discurso sobre paisagem, como o arquitecto paisagista Christophe Girot (ETHZ Zürich) e o teórico Allen S. Weiss (NYU).

11.01.2006

A Possibilidade de Tudo

Swinging Electric Chair

Passados dois anos da exposição em Serralves (recordo a série das janelas coloridas por um filtro) cabe agora à Culturgest em Lisboa expor algumas obras de João Paulo Feliciano - The Possibility of Everything. É uma exposição marcada pelas influências directas da música, do rock, Sonic Youth e Tina and the Top Ten (podemos ouvir Teenage Drool em The Big Red Puff Sound Site, 1994) mas também por uma reflexão sobre o espaço.
Light Corner (1990) é disto um bom exemplo: é uma obrigação espacial. Na orientação quotidiana que temos do espaço e das situações não existem esquinas e cantos em simultâneo. Como nos movemos com uma grande liberdade, a circulação espacial evita linhas e ângulos rectos. Assim, circulamos pelo centro imaginário de uma divisão, evitamos o choque com outros elementos por ajustes mínimos, e, estas possibilidades, são também evidentes numa exposição de museu. No lado oposto a esta situação quotidiana de uma circulação interna aos espaços, João Paulo Feliciano parece querer obrigar-nos a entrar nos eixos: leva-nos a enfrentar a rectidão exterior. Percorremos, de algum modo contrariados, esse espaço entre a esquina, leve e luminosa, e o canto da divisão, com uma diferente orientação espacial.
Para experimentar até 30 de Dezembro.