2.19.2007

O jogo

Na passada sexta-feira, no reformulado suplemento do jornal Público, Ípsilon, na secção dedicada ao tema arquitectura, escreve-se a determinado momento, num texto relativo a um edifício de habitação - a parede tem 90 centímetros de espessura e nessa espessura desenharam cada janela de maneira diferente. É o jogo entre as várias aberturas que dá uma identidade ao edifício e que torna especial a relação entre interior e exterior. “Cada janela tem a sua história. Pode ser uma grande janela que se foca sobre um ponto ou uma janela que, abrindo-se, olha para um lado da cidade”.

Na nossa profissão, passamos parte do nosso tempo a tentar justificar as várias opções de projecto com base em argumentos que nos parecem os ideais, mesmo quando nos desviamos dos pontos fulcrais ou quando não existe uma razão consistente para o mesmo. Na ausência de um contexto eficaz ou algo que sintetize a intervenção, a proposta, ou parte de um gesto intuitivo genial ou cai numa redundância sem sentido. Como refúgio, os artifícios, formalizados em jogos de luz, de cor, de texturas ou, "de aberturas".

Aparentemente, jogar com janelas, fachadas, pavimentos, é como jogar à bola. Ou jogar à arquitectura ou arquitectura paisagista.

Nota: No texto de abertura do artigo escreve-se "Os portugueses são pouco exigentes em relação ao espaço onde vivem mas isso pode mudar a vida. Não querem pagar a inteligência. Luxo não é um condomínio fechado." Ironia.

2.10.2007

golfe em Atacama

Quando se fala na necessidade de uma maior sustentabilidade na construção e gestão de campos de golfe, esta também passa pela mudança de alguns paradigmas culturais, em relação àquilo que deve ser um campo. No deserto de Atacama, no Chile, um dos mais secos do mundo, surgem-nos exemplos do que pode ser um campo adaptado às condições climatéricas, mais do que adaptado às condições culturais.

Os tees, fairways e roughs, dos campos de Iquique e Arica, junto à costa, são delineados com areia branca, borracha e gesso, formando padrões no deserto que lembram os geoglifos de Nazca, ali próximo, no Perú.
Cada jogador traz consigo um pedaço de relva sintética para colocar junto à bola e assim facilitar as tacadas.
Estes campos estão integrados no Tour de Golfe do Chile.

2.08.2007

Torga ainda

Anos atrás, enquanto percorríamos o país em busca de material para um trabalho académico, chegámos a São Martinho de Anta, pequeno povoado concentrado num planalto de Trás-os-Montes. Visitámos o cemitério, acoplado à igreja local, lugar árido, estruturado a partir da disposição das sepulturas e jazigos. Lembrávamo-nos que era a vila de Miguel Torga, a qual o vira nascer. Não tínhamos a certeza que estaria ali sepultado.
Sobre a terra batida, por entre sepulturas recentes e outras de tempos remotos, avistámos uma urze debaixo de um cipreste. Ao lado, as letras inscritas numa pedra de granito denunciavam a sua presença. Curiosos acerca da nossa presença no local, perguntaram-nos se viéramos por Miguel Torga. Dissemos que não. Responderam-nos - “faz hoje anos que nasceu, dia 12 de Agosto”. Nascera em 1907. À sombra do cipreste, a urze e a pedra, as exigências do escritor.

2.02.2007

Project ten

This blog as been a place to record my acts of illicit cultivation around London. Now it’s a growing arsenal for anyone interested in the war against the neglect of public space. ---- http://www.guerrillagardening.org ----

Só faz sentido existir espaço público se ele for apropriado pelo público. Em Londres, houve quem tenha decidido apropriar-se sobre os espaços esquecidos mas perfeitamente integrados no quotidiano londrino. Estes grupos – Gardening Gerrillas – formam já uma vasta de rede de rebeldes com causa espalhada por vários países. Eles encontram na caldeira já sem a árvore que lhe deu razão de existir, num canteiro que acumula garrafas largadas depois de bem aproveitadas ou num vaso colonizado por infestantes, os espaços para as suas manifestações públicas contra o desleixo institucional sobre o espaço público.

Mas mais do que revitalizar o canteiro, a caldeira ou o vaso, o que torna o caso notável é o acto de apropriação, da reconstrução de um espaço que, parece, nos é indiferente, pertencente a uma entidade municipal, ou estatal, e que delegamos nesse sistema o teor do nosso espaço, do espaço público.


A relação que o homem constrói com o espaço público e, no fundo, com o seu espaço tem vindo a adquirir laivos de uma surdez crónica e profunda determinada por essa deposição da decisão sobre o nosso quotidiano.

Fotografias de J. Warren