11.30.2009
11.14.2009
1000 árvores para Monsanto
11.11.2009
Ribeira das Naus
O espaço da Ribeira das Naus é um espaço mítico na identidade nacional e local. Em parte produzido pelo imaginário colectivo, em parte pela cultura oficial. O mito está ligado à fábrica naval que operou de facto neste lugar, e que terá produzido ao longo de séculos, embarcações de diversos tipos. O mito articula a certeza da produção das Naus, com a possibilidade de estas terem sido protagonistas do movimento de descoberta de rotas universais, e de um primeiro fenómeno de globalização impulsionado por Portugal. De lugar prático de laboração a espaço mítico de relação com um universo longínquo, global e universal, a Ribeira das Naus é um espaço sempre articulado no tempo, com o outro espaço irmão sempre relacionado com a representação do poder: o Terreiro do Paço, hoje Praça do Comércio. Um poderosíssimo e devastador conjunto de fenómenos naturais destruiu a Cidade parcialmente, afectando totalmente a Ribeira de Lisboa como lugar. A sua reconstrução manteve curiosamente a vocação e a configuração de alguns elementos como a doca do arsenal, as rampas varadouro ou as docas secas. Lugar/Local e Lugar/Global em simultâneo. Mas hoje aonde está presente o carácter complexo que discutimos atrás? Que significado tem a actual configuração deste lugar? E que outros elementos, hoje invisíveis, poderemos convocar e recentrar na conformação e experiência deste Lugar?
Imagem cedida por Global e Proap
O Lugar misterioso da relação com a memória
A estratificação como conceito tectónico originado pela Geologia ajuda-nos a compreender a forma como a Cidade se reconstrói sucessivamente sobre si própria. Por vezes preserva de maneira aparentemente inexplicável formas precedentes, que só a partir da revelação de uma maior extensão se tornam compreensíveis. Na Ribeira das Naus temos hoje sinais de diversos tempos: uns directamente experienciáveis, outros apenas presentes pela abundante iconografia e cartografia que os tornam inteligíveis, e pelas ocasionais revelações em cada escavação para uma qualquer instalação ou infra-estrutura. É a partir da tensão entre os diversos elementos presentes (conjunto edificado, doca seca) com os diversos estratos geometricamente negativos em relação à cota de superfície actual (doca do Arsenal, paredões de varadouro) que se configura o desenho proposto. A revelação e a integração destes elementos fósseis, parcialmente enterrados e potencialmente determinantes do carácter do espaço, constituem o processo de recriação da Ribeira das Naus. A arquitectura deste espaço da Paisagem da Margem de Lisboa consiste então na contraposição de elementos fosseis com elementos contemporâneos, com o duplo sentido de revelação dos diversos tempos do mesmo lugar (cultura do espaço da cidade) e de acção na utilização do espaço público (circulação, permanência, contemplação, infra-estrutura). Mas se a revelação dos estratos temporais justapostos no espaço, parece ser uma oportunidade única de criar em Lisboa um lugar vibrante, que experiência existencial nos poderá proporcionar?
Imagem cedida por Global e Proap
A Ribeira das Naus como contemplação atemporal
Norberg-Schulz fala-nos do carácter material e espacial de um Lugar, como determinantes da sua identidade. A proposta para a Ribeira das Naus apresenta a opção radical de recortar a linha de costa no sítio da Doca do Arsenal tangencial ao Torreão Poente, e determinar com precisão um novo alinhamento de margem até ao Cais do Sodré, reconfigurando a linha de Costa num sentido integral. O Torreão aparecerá espelhado no novo plano de água do rio que o separa da plataforma da Ribeira das Naus. Esta plataforma, que contem o artefacto da Doca seca agora totalmente exposta, revela os novos dois planos descendentes ao rio, que materializam o lugar das rampas de varadouro, agora apropriados por planos de relva e madeira contemplativos. O limite original da linha de costa é transposto e materializado pela extensa superfície negra e basáltica que faz significar a superfície de margem acrescida e em continuidade material com as ruas, largos e travessas imediatas. Ao atingir o alinhamento marginal, desce suavemente em lâminas pétreas, como uma praia artifi cialcontida pelos dois pontões. Um, a nascente, prolonga o muro lateral da doca do Arsenal, enquanto outro, a poente, prolonga o espaço vazio do largo do Corpo Santo, determinado em oposição pela massa dos alinhamentos de árvores sobre o Rio. Nesta superfície negra que nos absorve, atravessa o transito de viaturas, bicicletas e peões, separados por sinais de pedra ou madeira que definirão direcções, canais de passagem, ou superfícies partilhadas. O acesso entre a Ribeira das Naus e a Praça do Comércio é agora marcado como que por um ritual de atravessamento da água, por uma ponte. Fabricada com metal e madeira com a transparência própria destas estruturas, permite-nos olhar para baixo e contemplar a água, os antigos muros de pedra incrustados no dique de maré que acolhe as enormes condutas que coincidem a várias alturas algumas expostas e suspensas na própria estrutura da ponte. A delicadeza da nova articulação urbana demonstra a clara diferença entre os dois espaços irmãos, que nos fazem significar de diferente forma o espaço do Poder e da Fábrica, agora entregues aos nossos rituais de passagem diária ou ocasional, individual ou em colectivo.
A luz invade os espaços diversos, percorre-os de diferentes formas ao longo dos dias e ao longo do ano, distribuindo sombras das árvores, refl exos ou planos de luz intensa ou muito suave, envolvendo-nos em muito mais do que o simples atravessamento diário. Imaginamos que poderemos agora descer até ao Rio, ou mesmo caminhar na praia que as marés põem ciclicamente a descoberto até subir a escadaria entre as colunas, e subitamente nos depararmos com a Praça monumental com o seu Castelo elevado contra o céu.
11.05.2009
J'ai une toute petite ligne de chance
Em Pierrot, le fou (1965) Jean-Luc Godard ilustra o que parece ser um género cinematográfico francês, o filme ‘bal(l)ade’, conceito intraduzível e que consegue conjugar o passeio (balade) com a canção (ballade) anexando, deste modo, o musical à deambulação das personagens. Hoje, é um filme-chave para se compreender outros filmes mais recentes como On connaît la chanson (1997) de Alain Resnais e Les chanson d'amour (2007) de Christophe Honoré de 2007. Em Pierrot, le fou, Ferdinand Griffon (Jean-Paul Belmondo) está casado com Maria (Graziella Galvani), uma herdeira rica, mas o casal não se entende. Um dia conhece uma baby-sitter, Marianne (Anna Karina) e juntos acabam envolvidos num assassinato e tráfico de armas e, tendo que fugir à polícia, atravessam a França dirigindo-se para Sul. O filme de Godard é uma paródia aos modelos americanos como o film noir, os dramas e os musicais clássicos de Hollywood com a particularidade de as personagens, vigaristas com vocação intelectual, se aborrecerem facilmente. Terminam a viagem, e o filme, na ilha de Porquerolles inserida no Parc National de Port-Cros. E Karina e Belmondo cantam ‘Ma ligne de chance’ : a vida corre mal mas é bela.