Ruínas
Ruínas, o último filme de Manuel Mozos é, contrariamente ao que o título possa sugerir, um enorme voto de confiança no futuro do cinema. O filme surge esteticamente na linhagem de outros filmes sobre a morte – parece mesmo que a necrofilia é o tema do cinema português – mas ganha aqui contornos mais interessantes, ou pelo menos mais românticos, de uma verdadeira necrofilia melancólica. Mas, além do tratamento visual ser uma viragem significativa, significante é também o facto de Mozos dirigir toda a nossa atenção para 'falsas' naturezas-mortas: os locais em ruínas.
Construído unicamente com imagens dos locais abandonados (edifícios, hotéis, pedreiras, fábricas, sanatórios, teatros, estações de comboios) consegue, ainda assim, criar uma narrativa de um Portugal no pretérito e de hábitos irremediavelmente antiquados. Mas, este abandono não tem aqui indícios de saudade por um passado que não retornará mas antes dá a compreender a simples e esmagadora passagem das coisas. Através dos diversos esqueletos ou dos diferentes estados de danificação compreendemos que a sua impossível recuperação física se deve, acima de tudo, à impotência em controlarmos a direcção do tempo. A transitoriedade nos espaços vividos é exposta em conjunto com uma voz off que dá conta de um tempo que foi, de vivências que preenchem o vazio dos lugares.
Sem procurar razões para o abandono ou deslocação das vivências e dos interesses mas alicerçado unicamente no sem-sentido que aqueles lugares agora têm enquanto vestígios de locais habitados, Mozos põe em marcha o grande poder do cinema – dar vida ao que já morreu. O filme começa no cemitério do Prado do Repouso, no Porto, e parece que dele não chegamos a sair.
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