Corredores verdes?
Quantos poderiam apostar que seria da cultura da guerra, do controle, da vigilância, do ódio, ou da própria guerra-fria que surgiria um dos mais ricos e extensos corredores verdes da Europa? Entre torres de vigia, vedações intransponíveis, arame farpado e minas, a natureza tratou de criar o que o homem já provou que, por sua vontade própria, dificilmente consegue.
Na fronteira entre as duas alemanhas, na anteriormente conhecida cortina de ferro, um corredor com cerca de 1400km de extensão e 3683ha de área, desenvolveu-se um dos mais ricos e extraordinários corredores ecológicos, que contêm cerca de 100 tipos de habitat e 5000 espécies presentes (600 das quais em risco de extinção, muitas das quais já se consideravam mesmo extintas). O corredor funciona como uma comprida linha de distribuição de fauna e flora ao longo da sua extensão, enriquecendo em biodiversidade os diversos locais por passa.
Este corredor ecológico, surgido em 1949, teve como principal origem o seu abandono e provável vazio legal após o fim da separação alemã, tendo sido parcialmente reconhecido como uma importante área de preservação a partir de 1990. Actualmente, o projecto European Greenbelt, tenta formalizar o seu estatuto proteccionista e alargar a sua área de protecção. A sua sobrevivência já se mostra difícil, pois começam a surgir os projectos de estradas e de interesses comerciais.
Tal como nos diz o manifesto da Terceira Paisagem, de Gilles Clement, se o homem não realizar qualquer tipo de acção, a paisagem, por si só, contêm mecanismos de evolução biológica que permitem transformar a inacção humana em algo de importante e interessante para a biodiversidade.
E foi exactamente o que aconteceu. Nesta pequena faixa, conhecida como um corredor da morte e com pouco mais de 30 a poucas centenas de metros de largura, repleta de minas, impedimentos físicos e muito medo, a pressão humana foi mínima durante décadas, não se tendo construído edifícios e estradas, não se tendo agricultado ou florestado. O resultado é uma espécie de versão animada e real do livro vermelho europeu.
A questão que se pode levantar deste exemplo, é até que ponto é que não conseguimos realmente coexistir com a biodiversidade. Podemos também perguntar-nos se não seria mesmo mais útil determinar verdadeiros corredores ecológicos, sem pressão humana, em vez de nos cansarmos com projectos “sustentáveis” e leis (e alterações à lei), que tentam minimizar o impacte humano, sem realmente o conseguir.
Outra questão que também se pode colocar é até que ponto a localização de um valor natural é absolutamente essencial para a biodiversidade existir. A separação entre as duas alemanhas poderá até coincidir com algumas determinantes biofísicas (rios, lagos, acidentes de relevo, etc.), mas devemos desconfiar da capacidade de planeamento ecológico de Estaline, Churchill e Truman, assim como das acções de restauro ambiental da Stasi e da polícia federal alemã. Parece-me que o factor essencial para a biodiversidade ter-se mantido ao ponto deste corredor ser considerado um santuário foi a inacção. A evolução biológica, com os seus mecanismos próprios, conseguiu por si só adaptar-se e expandir-se a este traçado político-militar, criando uma dinâmica que muitas reservas e parques provavelmente não possuem.
Que dizer, quando com toneladas de arame farpado e minas se consegue criar um dos melhores e maiores corredores verdes do mundo?