6.22.2011

Pegada Agrícola

Deparei-me com um interessante estudo realizado pelo grupo de ateliers  MVRDVThe Why Factory e Stroom Den Haag, sobre a pegada agrícola de Manhattan e da Holanda. Graficamente a demonstração funciona muito bem, ao demonstrar como a cidade depende, e sempre dependeu, de vastos territórios para ser alimentada. Num mundo globalizado, depende ainda de muitos outros territórios que não nos são próximos (pensemos em bananas, mangas, vinho, cereais, e uma infinidade de outros alimentos que consumimos, especialmente os exóticos, os fora de época e os que economicamente não são competitivos de produzirmos próximo de nós).
O estudo tenta ainda demonstrar a impossibilidade de produzirmos o que necessitamos numa cidade, mesmo com tecnologias agrícolas avançadas como a hidropónica. Neste ponto penso que a ideia dos defensores de hortas e de produção agricola urbana nunca seria a de colmatar qualquer tipo de número, o que seria sempre impossível, ainda para mais numa fase de aglomeração urbana cada vez mais densa e extensa. A ideia serve apenas como leve atenuação desse número, sendo que a verdadeira recompensa é a manutenção da cultura de ligação à terra, à vegetação e ao biológico.
A vasta extensão da pegada agrícola leva-nos ainda a pensar no que resta para habitação, estradas, industrias e outros tantos equipamentos, restando pouco, muito pouco, para parques, vida selvagem e corredores ecológicos. Cada dentada nossa é um universo de pressão no lince, na águia, na rã, ou até na chita ou elefante, dependendo da origem do que comemos. Também muito interessante é o espaço ocupado pelas dietas, onde a carne faz uma grande diferença. A mim fez-me pensar em todos os bifes sensaborões que comi e que daqui para a frentel, bife, presunto e afins, só quando valer mesmo a pena!


Filosofia e Arquitectura da Paisagem - Seminário Permanente IX

O Verdete aproveita para anunciar mais um seminário do núcleo FILARQPAIS, a decorrer no dia 2 de Julho de 2011.

6.09.2011

Tree of Life ou o elogio do subúrbio

Em jeito de complemento do post anterior, O génio de Malick, o devoto, pareceu-me interessante acrescentar algumas observações ao filme a Árvore da Vida. Se as imagens de microscopia e macroscopia remetem-nos imediatamente para o 2001: A Space Odyssey, as imagens da vida terrena remetem-nos para o subúrbio americano dos anos 50. E porquê o subúrbio americano dos anos 50? E já agora, porquê a árvore?
A árvore da vida tem diversas representações simbólicas, sendo usada por quase todas as religiões, mitologias e filosofias. De acordo com a Encyclopædia Britannica, a árvore do conhecimento cria a ligação entre o céu e o mundo inferior, e a árvore da vida a ligação entre todas as formas de criação, sendo ambas formas da árvore do mundo ou da árvore cósmica. Malick recorre assim ao simbolismo da árvore, como tantos outros, para fazer a ligação entre os mundos. Mas se a árvore faz essa ligação, e no próprio filme ela teletransporta-nos entre o cósmico e o mundano, as suas raízes estão assentes no subúrbio.
A referência ao subúrbio americano dos anos 50 é feita, em primeiro lugar, porque o próprio Terence Malick cresceu nele, em Waco, Texas, durante o seu período de maior expansão – o pós-guerra. O filme é também ele rodado pelo Texas, nos locais de infância de Malick. A casa localiza-se em Smithville, uma pequena cidade de 3000 habitantes.
À primeira vista, e através da ausente personagem de Jack em adulto (Sean Penn), Malick quase que nos deixa cair na simples dicotomia cidade vs. natureza, mostrando-nos a cidade como um local onde o homem perde a sua ligação ao mundo natural e por consequência aos outros. De facto, o subúrbio americano dos 50, assim como muitos outros subúrbios, representa um período muito importante e de grande imaginação. A liberdade (ver as cenas dos miúdos pelo bairro), a proximidade de uma natureza ainda hipoteticamente intocada (ver a cena dos irmãos junto ao rio, onde chegam de bicicleta), a amplitude do espaço, o vago, e a possibilidade de ter um jardim onde se desenrola uma grande parte da vida familiar. O subúrbio americano é já uma reinterpretação pecaminosa do fascínio do wilderness americano, pois se o subúrbio já possui um enorme número de transformações da paisagem e tem os olhos postos na cidade, ele ainda proporciona uma ligação muito forte ao mundo natural, podendo-se caracterizar por ser uma espécie de estado intermédio. Deve-se notar a ainda importante presença da igreja, que nos indica que o homem ainda possui a capacidade de se transcender, compreender o outro e viver em comunhão (mesmo que seja cada vez mais falsa).
É a genética do sonho americano do séc. XX que desenha o subúrbio da classe média, na possibilidade do acesso democrático a todos os bens, na igualdade social (sem aristocracia e nobreza) e na igualdade de oportunidades.
É também no fracasso empresarial de O’Brien (Brad Pitt) que parte do sonho se desmorona e ao mesmo tempo se revela. A cidade/industria não retribui o que este esperava, e só pela frustração compreende que o mais importante sempre estivera naquele jardim. Esta reconciliação com a vida só lhe é possível por conseguir compreender o transcendente, através de Bach.
O filho Jack (Sean Penn), mais do que uma pessoa, representa o homem desligado, perdido na cidade. Não por acaso, é representado pelo arquitecto que trabalha num impessoal open space de um impessoal arranha-céus e onde, provavelmente, reproduz modelos semelhantes aos do local em que trabalha. É a plantação de uma árvore, junto a um desses arranha-céus, que o faz relembrar o irmão. A árvore plantada é um símbolo que lhe relembra outras árvores, sobre as quais outro estado de vida se desenrolou. Quando Jack se “reconecta” com a vida, o que Malick nos mostra é um horizonte vasto, o mar, a praia, onde tudo é natureza bruta.
O que Malick nos conta não é necessariamente um simples confronto entre cidade e natureza, homem contra o artificial. As crianças continuam felizes quando são vaporizadas por DDT. Trata-se antes da possibilidade de nos ligarmos à energia do cosmos e da vida, de nos repensarmos enquanto acaso que somos no mundo. E para isso tanto contribuem as paisagens sublimes, as partituras de Bach, ou a sensação de liberdade das crianças. O essencial é a possibilidade de imaginação.
É neste estado intermédio do subúrbio que Malick compreende um momento particular da sua história e da de muitos outros. É na mistura única e irrepetível de um boom de população e de algum bem estar económico da classe média (recorde-se as imagens de decadência dos Afro-americanos), sobrepostos numa paisagem ainda pouco determinada e com uma grande presença de natureza, que decorre um momento de vida, imaginação e comunhão que gera memórias únicas. A cena do sapo é central neste aspecto, pois nunca poderia decorrer na cidade, num zoo ou num parque natural. É ainda dentro desta ideia, que aproveito para recordar um dos mais belos posts do Verdete, e que Malick quase parece ter copiado para recriar a personagem de Jack.
No entanto não podemos ignorar a importância central que o filme dá à árvore, ao rio, à floresta, às correntes de água, ao jardim, à casa aberta para o exterior, como elementos de leitura e participação da transcendência e de relocalização do humano na cosmogenia da grande ópera da vida. Tal como para Schopenhauer, the feeling of the beautiful is pleasure in simply seeing a benign object. The feeling of the sublime, however, is pleasure in seeing an overpowering or vast malignant object of great magnitude, one that could destroy the observer.
É isso que faz de a Árvore da Vida um filme entre o belo e o sublime.
Como últimas nota de curiosidade, ficam aqui três vídeos sobre o transplante da árvore, um carvalho, que terá sido replantado após as filmagens no seu lugar original (video1, video2 e video 3), e um excelente ensaio sobre o cinema de Malick, escrito por Adrian Martin.

6.07.2011

O génio de Malick, o devoto


A árvore da vida: o filme menos original do ponto de vista temático e conceptual, é, igualmente, o mais moderno dos filmes de Terrence Malick em termos de efeitos especiais. E aquele que, nas coordenadas espácio-temporais, mais se afasta: para as origens do Universo. Vaivém entre escalas, entre o mais próximo e o mais distante, entre o microscópio e o macroscópico, qual o lugar do Homem? A macroscopia revela-se, na verdade, como a mais superficial das abordagens: afinal, como ter uma imagem panorâmica de uma vida, uma qualquer, tenha ela a duração que tiver… É através de uma montagem irrepreensível entre imagem e som, entre o abstracto visual e o abstracto sonoro, que Malick cria o seu mais fértil e poético diálogo com o mistério que o consome. A ontogénese de Malick dá, desse modo, densidade ontológica à impassível cosmovisão kubrickiana elaborada em 2001: A Space Odyssey.

Ao contrário dos outros filmes que realizou, de Badlands a The New World, passando por Days of Heaven e The Thin Red Line, em que a narrativa/questionamento em off se torna uma das, suas imagens de marca, em The Tree of Life, essa narrativa/questionamento torna-se, pela primeira vez e definitivamente, obsoleta: se no início era o Verbo, agora é o Cinema. Malick, o devoto.

6.06.2011

Agenda

Num mundo onde a arquitectura está em crise, e por arrasto a arquitectura paisagista, e para quem ainda não desistiu ou fugiu para o Dubai, o Verdete sugere, para quem ainda sobra vontade, a seguinte e interessante (mas talvez tardia) agenda da OARS, Temporada #1, intitulada "Nós e os Outros":

- Falar de Recibos Verdes, a 9 de Junho de 2011, na OA
- As Industrias Criativas na Arquitectura, a 28 Junho de 2011, no Lux
- Sindicalização da Arquitectura, 7 de Julho de 2011, na OA
- A Arquitectura em Tempo de Crise, a 19 de Julho de 2011, no Lux

O nosso anúncio, como de costume, já vai atrasado mas não podemos deixar de assinalar que já decorreu no Lux, a 31 de Maio, o debate sobre Arquitectos em Fuga (Internacionalização), principalmente depois de Souto Moura declarar que "a solução para a arquitectura portuguesa é imigrar". Em complemento deixamos a sugestão de conhecer o blogue Maldita Arquitectura, onde se podem ler (entre outras coisas) vários testemunhos de quem já partiu para outra...


6.03.2011

Projecto para Espaços Públicos


O PPS (Project for Public Spaces) é uma organização sem fins lucrativos, que pretende ajudar os cidadãos de todo o mundo a planear e desenhar espaços públicos. Através de conselhos de como fazer (ver Eleven Principles for Creating Great Community Places), esta organização pretende potenciar o desejo dos habitantes de possuírem qualidade de vida na cidade. Contrariamente aos princípios europeus, onde se espera que o Estado e autarquias
sejam iluminadas para a qualidade de vida dos seus cidadãos (e umas vezes são e muitas outras não o são), o PPS propõe que sejam as próprias pessoas a por a mão na massa, a organizarem-se e a decidirem o que pretendem fazer, o que é necessário e como chegar aos objectivos desejados.
Uma das propostas de acção dos Eleven Steps (continua-me a espantar a capacidade dos americanos conseguirem distinguir o essencial do acessório) é muito interessante para quem trabalha o espaço público e achei por bem transcrever para aqui:

Create a Place, Not a Design


If your goal is to create a place (which we think it should be), a design will not be enough. To make an under-performing space into a vital “place,” physical elements must be introduced that would make people welcome and comfortable, such as seating and new landscaping, and also through “management” changes in the pedestrian circulation pattern and by developing more effective relationships between the surrounding retail and the activities going on in the public spaces. The goal is to create a place that has both a strong sense of community and a comfortable image, as well as a setting and activities and uses that collectively add up to something more than the sum of its often simple parts. This is easy to say, but difficult to accomplish.


Além do incentivo e do apoio para melhorar o espaço público, o PPS tem uma vasta lista de projectos existentes, de diferentes tipologias, assim como análises dos mesmos, do que resulta e do que não resulta, numa perspectiva do utilizador, e não apenas na óptica da espectacularidade do design.

Yes we can!