4.28.2006

Stefan Tischer

Stefan Tischer, professor e director do Departamento de Arquitectura Paisagista da Universidade Montreal, está no paisagir e no auditório do Departamento de Florestal do Instituto Superior de Agronomia para uma conferência às 18:00.

passiflora passion - Stefan Tischer no Ortus Artis

4.21.2006

Those We Do Not Speak Of

Há uma ideia enraizada no nosso entendimento que afirma que nos sabemos orientar no mundo, no mundo que exprimimos por palavras, pois os limites físicos internos do mundo dizem respeito à sua expressividade.
Quando, em 1660, Rubens De La Vialle descobriu pinturas de bisontes na caverna de Niaux em França, limitou-se a escrever o seu nome e a data. O que nos parece incrível é o facto de não ter dado importância histórico-cultural às imagens que via. Julgou terem sido feitas recentemente por algum contemporâneo que marcara o lugar. Mas, o que ele não viu foi que o lugar já estava há muito marcado; o que ele não viu foi o passado imemorial que o trouxera ali, desconhecimento que o impediu de compreender o que então percepcionava. A nossa percepção, por si só, é insuficiente para nos aproximar da nossa situação no mundo.
O que em The Village, de M. Night Shyamalan, aquela comunidade não vê (para lá dos óbvios trocadilhos de Ivy ser invisual e ao mesmo tempo a única que poderia ver) é o facto de não pertencer àquele lugar, de o presente em que vive estar cercado por regiões espácio-temporais que desconhece. Circunscritos pelos limites do bosque que não transpõem, eles vivem delimitados e resguardados, fisicamente, pela reserva natural que os sustenta, aterrorizados por criaturas, “Those we do not speak of”, e metafisicamente, pelo que não dizem. Há então a criação de um espaço determinado pelo entendimento: o movimento convergente do quotidiano compreende o para lá dos bosques como o mundo inumano e, por isso, não transpõem nunca os limites físicos da comunidade. Por este motivo, está abolida na aldeia a cor malévola, o vermelho, existente apenas nas bagas trazidas do bosque. Há assim uma gradação entre o dizível e o indizível, à medida que se esbate o jogo linguístico entre Natureza e Homem.
Entre a caverna e a reserva humana, entre o subterrâneo e a superfície, encontramos uma ideia: a expressão diz o nosso mundo, ou como diria Gilles Deleuze, o ser é expressão oral. Aquilo que não se diz simplesmente não existe, pois a sua verbalização dar-lhe-ia matéria. Entre os bisontes da caverna e “Those we do not speak of” deparamo-nos com o ainda-não-dito, uma situação nova que precisa ser nomeada para ser, não só compreendida na sua totalidade abrangente, como também materializada no ser que se diz de tudo. E ao ser expressão, deixa de aterrorizar.

4.17.2006

eflúvio magnético

(23 de Fevereiro a 29 de Abril)

A tempestade de neve é uma das coisas do mar que menos se conhecem. É o mais obscuro dos meteoros, obscuro em todos os sentidos da palavra: é uma mistura de nevoeiro e tormenta; é um fenómeno que ainda nos nossos dias não se percebe bem. Provém daí muitos desastres.
Há quem queira explicar tudo no vento e na vaga. Ora no ar há uma força que não reside no vento, e na água uma força que não reside na vaga. Esta força, a mesma no ar e na água, é o eflúvio. O ar e a água são duas massas líquidas, pouco mais ou menos idênticas e entram uma na outra, pela condensação e pela dilatação, de tal modo que respirar é beber; só o eflúvio é fluido. O vento e a vaga são apenas impulsos. O vento manifesta-se pelas nuvens, a vaga pela espuma; o eflúvio é invisível.

Victor Hugo, O Homem que Ri, in Eflúvio Magnético, nº1/3

Victor Hugo descreve n’O Homem que Ri um fenómeno meteorológico que ocorre no mar e que é causado por uma variação no pólo magnético do planeta. A tormenta dissolve num só substracto o vento e a vaga em manifestações que resultam, inevitavelmente, na morte de todos aqueles que as presenciam – o Eflúvio Magnético. Desse fenómeno apenas fica o resíduo do náufrago.


Coluna de Colombo
Fotografia a cores, 125 x 125 cm, 2006

O princípio do mecanismo científico baseia-se na análise de dados adquiridos e processados a partir observação de fenómenos mas o eflúvio, por ser inexplicável, por todos os seus observadores serem de modo infalível aniquilados, falha na explicação científica e qualquer descrição movimenta-nos, necessariamente, para a ficção e para o hipotético. Daí que a manifestação do eflúvio se torna indefinível e o conceito fica como que suspenso perante esse indizível. “Digamos que o Eflúvio apresenta o devir como inconsistente, ou faz a apresentação dessa inadequação do movimento à paralisação conceptual.” (JMG+PP, in Eflúvio Magnético, Vol. 1/3 pp.11) Neste sentido, o interesse deixa de residir no eflúvio e na sua explicação mas no facto de o fenómeno ser interdito ao conhecimento.


O Encapuçado
Fotografia a cores, 95 x 135 cm, 2004

O Eflúvio Magnético é o projecto trifásico de João Maria Gusmão e Pedro Paiva (JMG+PP), cuja segunda parte termina a 29 de Abril no edifício da Galeria Zé-dos-Bois. Nele é abordado “o levantar da questão, a tradução de como o evento se prende, por definição à situação eventural e se apresenta como Sítio fora-do-sítio (...) e operar uma persistência que legitima a sua veracidade. Quando exposto à sua questão existencial o evento exibe-se no (des)aparecer.” (JMG+PP, in Eflúvio Magnético, Vol. 2/3 pp.30).



O Homem Evasivo
Fotografia a cores, 180 x 180 cm, 2006

Acompanhando as três fases deste projecto foi lançada uma revista homónima que apresenta algumas das “excursões semifilosóficas, semiliterárias” do Eflúvio Magnético. Para esta fase foi também publicado um artigo no último número da NADA, actualizado o site e está a decorrer um ciclo de cinema no Aquário da Zdb. Deste, ainda a saber: The Falls de Peter Greenaway (19 de Abril); The Heart of Glass de Werner Herzog (20 de Abril); L’Age d’Or de Luís Buñuel (26 de Abril); El Topo de Alexandro Jodorowski (27 de Abril); Selecção de Curtas-Metragens de Georges Méliès (29 de Abril), sempre às 22:00.


Anomalia Marítima
Fotografia a cores, 180 x 220 cm, Serra da Estrela, 2006


Cinemática (o hipnotizador de troncos)
Fotografia a cores, 180 x 200 cm, 2006

4.04.2006

Percursos #1


Ainda debruçado sobre a obra de Abbas Kiarostami, uma questão que tende a persistir: a formalização dos percursos, a sua presença, a forma como o autor os vê, filma ou fotografa. Por outro lado, também a sua apropriação no nosso quotidiano, a forma como os entendemos e percepcionamos.
Em Kiarostami são caminhos, marcas lineares num território a perder de vista. Não reconhecemos um princípio nem um fim. Surgem como que suspensos numa imagem à qual pertencem e da qual dependem para a sua materialização. Uma estrada em ziguezague, um caminho perdido no meio de um vale ou um atalho que se contorce ao longo de uma encosta. No cimo uma árvore.
Em conjunto formulam algo que entendemos como paisagem. Não será na sua acepção estática, quando os visionamos paralisados numa fotografia ou imagem, mas algo mais, quando nos questionamos de onde vêm ou para onde vão. Cabe à morfologia da colina ou do vale, o corte das extremidades da linha, a quebra da continuidade que garante o vazio e a abstracção do todo. E é esse sentido de interrupção que sobressai e nos evade na sua obra fotográfica ou em filmes como “Através das Oliveiras”, “O Sabor da Cereja” ou “O Vento Levar-nos-á”.
Serão certamente, mais do que um objecto, uma experiência. Ou uma vivência.
Não sei como seriam os filmes de Abbas Kiarostami sem os percursos interrompidos de que falo, nem sei como seria percorrer pela primeira vez um caminho do qual conhecêssemos o fim. “Como se só houvesse caminhar e o chegar e o partir acontecessem em lado nenhum” (Samuel)

De Victor Erice para Abbas Kiarostami


Madrid, 22 Abril 2005

Dear Abbas,
Today I´ve been back to the garden of Antonio López´s house.
It´ll soon be fifteen years since I filmed The Quince Tree Sun there. The setting has changed a lot. The walls of the house have grown; the garden, on the other hand, has become smaller. The quince tree has sought cover in a corner. Now it gets less sun, but, as generous as ever, it goes on flowering in spring.
Neither are the sounds the same. On the afternoon air there are new voices and laughter: it´s the painter´s grandchildren.
And life goes on…


Victor Erice


(carta de Victor Erice para Abbas Kiarostami, extraído de Erice-Kiarostami. Correspondences, Actar 2006)