1.18.2007

A Torga


foto de Georges Dussaud
No ano em que se comemoram os cem anos de nascimento de Miguel Torga, ouvimos alguém afirmar na televisão que "Torga é telúrico". É uma frase maravilhosa porque o próprio, Adolfo Correia Rocha, justificava a adopção do pseudónimo Miguel Torga, nos seguintes modos: "eu sou quem sou. Torga é uma planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas entre as rochas. Assim como eu sou duro e tenho raizes em rochas duras, rígidas, Miguel Torga é um nome ibérico, característico da nossa península".

1.07.2007

Juventude em Marcha

Falar de “Juventude em Marcha” de Pedro Costa sem mencionar arquitectura ou paisagem reduziria o filme a uma forma de anulação das personagens pela ausência de um contexto como extensão do seu ser.
No filme assistimos ao processo de realojamento das famílias do bairro das Fontaínhas num novo bairro social, novo lugar branco e asséptico. Aqui ficção e documentário sobrepõem-se. As personagens e respectivas vivências são reais, sintetizadas por um realizador que faz questão de lhes dar uma voz. Os olhos de Ventura, o mais velho habitante das Fontaínhas, filtram o presente e remetem-nos por vezes para o passado, num movimento espacio-temporal que esclarece o antes e depois do espaço habitado. As paredes brancas do interior dos novos apartamentos contrastam com as cores saturadas das construções do antigo bairro. O espaço exterior parece inóspito quando comparado com as ruas intricadas entre as habitações das Fontaínhas, prolongamentos para o exterior da casa e das vivências a si associadas.
Vanda recebe Ventura no seu quarto para, com a televisão ligada, lhe relatar o presente face a um passado que ainda lhe é próximo. Falam sobretudo de mudança, no fundo o que surge subjacente à questão da relocalização. Passado e presente, espaço e tempo fundem-se num todo, questionando esta problemática de uma forma incisiva. O espaço em que habitam ou o anterior que abandonaram expõe as personagens, as suas forças e os seus medos.
Numa sequência do filme, numa visita à Fundação Gulbenkian, a qual Ventura ajudara a erguer nos seus primeiros trabalhos na construção civil, a câmara foca-o sentado num dos cadeirões do museu da instituição. Sentimo-lo deslocado, mas talvez não tanto como no novo bairro no qual habita, sozinho no seu apartamento de cinco assoalhadas.

1.05.2007

Chão Bom

Na folha nº48 de 1969, da Carta Militar de Portugal, Província de Cabo Verde, vem cartografado, junto ao mar, uma área denominada como Campo de Trabalho de Chão Bom. Podemos encontrar aqui campos de cultivo com a compartimentação perpendicular ao mar, pequenas palmeiras verdes, um conjunto de casinhas limitadas num rectângulo, uma faixa estreita e comprida no sentido NE-SO, que parece talvez uma pista de aterragem, e ali perto entre uma estrada e o mar, um pequeno cemitério, implantado de forma um pouco casual. Trata-se enfim, da Colónia Penal do Tarrafal, onde morreram lentamente, muitos presos políticos do Antigo Regime. Como será, com o estereoscópio, cartografar uma ditadura?

1.02.2007

Fragmentos de Berlim


Agora, que é altura de fazer balanços e projecções, podemos reparar no modo curioso como, na nossa cabeça, um ano pode ser sintetizado por algumas imagens. As televisões transmitem sínteses do ano que passou em que se vêm as imagens das coisas marcantes de todo o ano em menos de um minuto. Também com as paisagens onde vivemos o quotidiano, ou naquelas em que estivemos de passagem, a nossa memória produz uma registo feito de fragmentos, que está longe de ser parecido com um mapa, e que também não é bem como um filme, uma fotografia, um texto ou um desenho, mas que tem algo de cada uma destas representações. Neste pequeno vídeo de Nuno cera, que podem ver melhor no C.C.B., o relevante não é a representação da cidade, mas do modo como ela é retida na memória e depois evocada. Como em qualquer registo gráfico, aquilo que não é mostrado ou que é mais sintetizado, deixa respirar e dá peso ao que aparece registado com mais detalhe, mais atenção. Este vídeo vive muito dessa relação entre os lugares e objectos que são passados muito de repente e aqueles que conquistam misteriosamente mais algumas fracções de segundo na sequência rápida, e é nisso que se assemelha ao modo como conhecemos uma paisagem por onde passamos e retemos imagens e sensações de pequenos fragmentos.