5.25.2007
5.21.2007
Natureza Morta
O cenário, a Barragem das Três Gargantas, projecto consumado treze anos depois do arranque, o maior complexo gerador de electricidade do mundo, tido como a promessa para o futuro brilhante da China. Para trás, um lago com cerca de 650 km de comprimento, mas também a submersão de templos, sítios arqueológicos e vilas milenares, a relocalização de cerca de 1.3 milhões de pessoas e a destruição de todo um ecossistema singular.
No filme Still Life – Natureza Morta de Jia Zhang-Ke, no que resta da velha cidade de Fengjie quase submersa, aglomerado com uma história de 2000 anos, a água sobe a um ritmo vertiginoso. Marcam-se com uma cruz os casarios que se estendem ao longo da encosta, vítimas próximas de uma nova subida do nível das águas. Ao longe, ergue-se uma nova cidade, elemento estranho em ruptura com um passado recente.
No vale, nas margens do rio Yangtze, os homens, operários de martelo em punho, esforçam-se em apagar os registos do que fora a sua anterior vivência. Derrocadas, ruídos entorpecidos pelas nuvens densas que ameaçam o vale, silenciam as histórias de uma anterior ocupação. A humidade intensa mascara uma actividade intensa em movimentos lentos, ténues, que parecem não ter fim.
A memória é o instrumento do realizador que filma o passar dos tempos num arrastar lento de acontecimentos, um quadro austero de um território em destruição e consequente abandono. O silêncio das personagens personifica o flagelo, marca de uma China moderna, que se quer longe de um passado inglório.
Quando numa cena, um edifício isolado levanta voo, parece não descolar sozinho. Leva pessoas, memórias, segredos e todo um passado que não se repetirá.
5.17.2007
O lyrebird por David Attenborough
O repertório do chamamento do lyrebird macho é uma compilação de inúmeros sons que vai ouvindo durante a sua vida no seu habitat. Um pouco como a inversão do conhecido ditado, que poderia ser transformado em algo como: «diz-me quem és e eu dir-te-ei com quem andas». O que vemos intensificado nesta relação entre o lyrebird e o seu habitat é o modo como o quotidiano é absorvido por quem o vive. O lyrebird transforma-se no sintoma do seu habitat e do seu quotidiano, uma construção no tempo e no espaço habitado. O lyrebird canta os encontros com outras espécies de pássaros no seu habitat, canta o seu espaço, os seus trilhos, as áreas onde respiga.
O filme, guiado por David Attenborough, mostra o chamamento de um lyrebird em particular. Apresenta-nos o seu repertório que inclui várias imitações de cantos de outros pássaros. E mostra-nos a facilidade com que incorpora outros sons que o pássaro ouve na floresta. Alguns desses sons são produzidos pela presença humana: os sons de uma máquina fotográfica, manual e automática; um alarme de um carro. E, por fim, mostra-nos como canta alegre e fatidicamente o extermínio do seu próprio habitat por moto-serras.
Via Aba de Heisenberg
5.13.2007
Sempre em férias
Depois, comecei a perceber que da maior parte das boas intenções anunciadas antes, quer por cansaço dos intérpretes envolvidos quer pelos costumeiros cortes orçamentais, iam desaparecendo as coisas diferentes e novas e só ia ficando o enorme manto igualitário e pobre a que ultimamente se chama «qualidade de vida»: zonas «só para peões», trilhos «só para bicicletas», pistas «só para ‘jogging’», relvados decorados por jardineiros abstraccionistas, bancos esquisitos, muitos «palitos», para evitar a passagem dos carros, e muita madeira, preferencialmente cortada em «deck», como nos jardins pré-fabricados do Aki. Era o triunfo do estilo «Expo», do estilo «parque temático», do estilo «estamos-sempre-em-férias».
Tudo sistemas que relevam de uma perspectiva de funcionalização da vida e dos vários momentos da vida. Uma enorme ânsia em preencher os vazios do quotidiano com «objectivos» de lazer, sendo que o lazer talvez seja o contrário do ócio; no «lazer» está-se entretido, a «matar o tempo», não restando muito tempo livre para o pensamento.
Os rios e os parques e as praias não seriam, então, saborosas mais-valias que se descobrissem por detrás da agitada cidade em movimento, momentos de doçura contrastada, numa pausa momentânea dessa construção maior do homem que são as cidades, mas apenas uma espécie de negação da própria ideia de vivermos juntos, mito «escapista» que congrega em si as várias confusões da cultura dominante.
Parece que já não se pode ver um rio pelo meio dos guindastes ou contentores e namorar por ali, meio escondido, mas que tudo terá de passar por uma marginal empedrada «devolvida» à população; parece que já não se pode chegar a uma praia, depois de um pinhal, e «comichar» umas cadelinhas abertas em azeite e alho, umas cervejas frescas num sítio qualquer manhoso às cores, mas já só triângulos de sandes de fiambre pré-empacotadas no dia anterior em casotas arregimentadas de madeira à vista com «música» a dar «qualidade» à praia (este serviço encerra às 18h00).
Por outro lado, existe um fenómeno curioso no processo meio higienista e entorpecedor a que se chamou Polis (mas que talvez se devesse ter chamado «Weekend», dada a distância a que as diversas iniciativas vão ficando de uma ideia que não seja só «desportista» da cidade).
Sente-se uma febre, uma «moda», uma vontade de copiar em todos os sítios do país a onda «Expo», que acaba por ser muito semelhante a outra situação de outro fim de século (o de há 100 anos) que atravessou as diversas cidades da Europa e que em Portugal deixou tantos vestígios: falo da vontade dos «Boulevards» ou das «Avenidas», que se abriram por todo o lado e cujo modelo foi a «Liberdade», em Lisboa, e mais as colecções de jardins públicos que, coincidentemente, tiveram como origem o Passeio Público, também lisboeta.
Nessa altura, Portugal foi ficando inundado de pequenos e médios jardins e de mais ou menos forçadas avenidas, muitas das vezes direccionadas à chegada do caminho-de-ferro, as Avenidas da Estação. Mas nos «passeios públicos», ou nos «jardins públicos», apesar do tom artificialmente «naturalista», procurava-se ainda a urbanidade dos encontros e não tanto um certo «autismo solitário» que o «estilo Polis» me parece promover e encorajar.
O «passeio», em Lisboa, era feito para o olhar, para o engate, para a parada, para a inveja, para a vaidade, para os negócios, para a representação, para os casamentos arranjados e para os arranjinhos dos casados; era um lugar de cruzamentos e de trocas, à maneira do século XIX, claro, e o hábito estendia-se à «província», com as quermesses, os bailes de Verão e os beijos escapados por baixo e na sombra de um oportuno salgueiro.
A nuvem de pó, o cheiro da luz do gás, Lisboa pequena, mas o «passeio», apesar de cruelmente classista, um lugar de reunião, de imprevisto, diálogos, vida, algum contraste, negociação de diferenças, poetas, viúvas, comerciantes, pelintras, bêbados, solteiras, adolescentes, burguesinhas, urbanidade.
As benfeitorias Polis, na sua grande maioria, parecem só lugares para desportos individuais, carrinhos de bebé ou casalinhos contentes; são embelezamentos magros, com muitas fontes, poldras, laguitos para gelar no Inverno e irritantes peças da chamada «arte pública».
5.03.2007
Primavera, Verão, Outono...
O filme, tanto a nível narrativo, bastante simples e zen, quanto visual, bastante intenso, é escrito principalmente por dois elementos: as portas e a casa flutuante. Além das portas serem uma passagem apenas como barreira mental entre espaços na organização da vida, e não fecharem nem abrirem um espaço interior físico (para quê ter portas no interior da casa se os quartos não têm paredes?), também a casa deixa a sua função de fixar alguém a um sítio porque ao ser uma casa flutuante no lago, acaba por ser todo o espaço envolvente, não só o lugar da casa mas também o lago, as margens, os ribeiros e a floresta; sempre móvel, sempre nómada e à mercê do ambiente, imagem da poética do espaço.
5.02.2007
Camões
Este ano o Largo do Camões em Lisboa foi transformado, como é hábito, para a celebração de mais um 25 de Abril. Em vez do palco e dos artistas, este ano foi diferente, graças à acção do c.e.m., que para além de artistas de rua, bandas e exposições, colocou um tapete de relva sobre a calçada.